domingo, 23 de setembro de 2012

O Ímpeto Revolucionário no Lema dos Inconfidentes


Chegamos ontem de Minas Gerais: minha esposa, meus dois filhos e eu. Quando parti em viagem, nem me dei conta que o tema da minha palestra sobre a angústia, como prenúncio da liberdade, teria tanto a ver com a terra dos Inconfidentes. Chegando a Belo Horizonte, não pensei em nada disso; mas quando fui para a Rodoviária, a fim de tomar o ônibus para São João Del Rey, onde eu haveria de participar do encontro em que daria a palestra, logo me chamaram à atenção as camisas à venda nas lojas, com as cores, o símbolo e o lema da bandeira de Minas: o Triângulo Vermelho sobre Fundo Branco e o Enigmático Lema em Preto: LIBERTAS QUAE SERA TAMEN. Confesso, que na ocasião, nem me dei conta, que estava justamente indo para a terra, onde viviam os remanescentes de um povo, que viu nascer o Mártir dos Inconfidentes, e que seria solo-pátrio de um dos maiores estadistas que a nação brasileira conheceu. Indo a Tiradentes, veio-me à tona a História, sobre a qual eu, porém, jamais tive ocasião de aprofundar, tendo guardadas apenas as ínfimas informações que me lembrava de meus tempos de escola. Em Tiradentes, diante da estátua do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, defronte ao lar onde o mesmo vivera dos nove aos dezessete anos, tal como me informara um dos trabalhadores, que labutavam na reforma da antiga casa, eu pude finalmente perceber melhor em que chão estava pisando. E quando, no retorno para São João Del Rey, eu visitei o Memorial Presidente Tancredo Neves, senti no coração e nos olhos as torrentes da emoção que, como um córrego, jorra e escoa na minha “alma” de brasileiro.

Thais e eu nos comovemos profundamente, ao mesmo tempo em que íamos aprendendo muito com os vestígios dos fatos recolhidos e apresentados pelo Memorial, enquanto Felipe distraía-se com as imagens projetadas e Marília corria e pulava pelas salas.  Eu recordava-me muito de meu pai, que foi pemedebista fervoroso na época da Ditadura e ansiou profundamente, como muitos brasileiros, por ver solapado aquele regime totalitário e florescer um regime que correspondesse aos anseios de liberdade de toda uma nação. E ao chegar à sala em que se faz memória da morte de Tancredo, antes que pudesse assumir a Presidência da República, fato que chocou o Brasil inteiro, eu não parava de me lembrar do instante em que junto com minha família, lá em Patos, eu, ainda garoto, compartilhava desse choro nacional, junto à minha avó, meu avô, meu pai e minha mãe. Ler a última carta de Tancredo a Sarney fez-me entender que naquele homem havia muita sabedoria e, seguramente, podia confiar que em sua mente e coração subsistiam a inteligência, honestidade e sinceridade de um dos grandes estadistas que o Brasil já possuiu, e que valia à pena não só recuperar e compreender sua história, mas também ler algo de seus escritos ou discursos. Por sorte que, como eu esperava, no Memorial foi também possível conseguir uma coletânea de seus principais discursos. No Hotel, ao ler alguns desses discursos, fiquei estupefato, porque Tancredo não parecia ser somente um homem de fato inteligente, além de todas as suas virtudes políticas, mas pareceu-me de fato alguém, cujo ideal emergia do mesmo anseio de liberdade que brotou naquela terra desde os inconfidentes, e se fez visível em muitos momentos e no coração de muitos homens e mulheres na história do Brasil, ainda que, certamente, isso não pudesse acontecer sem ambivalências.

O que levou os revolucionários e estadistas brasileiros a estar vivendo na Utopia, no bom lugar em lugar nenhum, isto é, a se colocarem no horizonte da utopia ativa? A esta pergunta responderam bem os Inconfidentes, ao repetirem a resposta de Tityrus a Meliboeus nas Bucolica de Virgílio, quando Melibeus pergunta a Tityro o que o teria levado a viver em Roma, ao que Melibeus responde:

Libertas: quae, sera, tamen respexit inertem;
Candidior postquam tondenti barba cadebat;
Respexit tamen, et longo post tempore venit...
(Virgílio, Bucolica, Ecloga I, 27-30) 

O que pode levar alguém a estar vivendo no bom lugar em lugar nenhum?

“A Liberdade: que, tarde, no entanto, disse respeito ao inerte;
Quando, depois de cortada, a barba caía mais branca;
Disse respeito, no entanto, e após longo tempo veio... ” 

           Sendo acometido pela liberdade, o cidadão pode colocar-se no horizonte daquilo que não está dado em lugar nenhum e, contudo, embora tarde, encontra lugar na libertação de quem se vê acometido pela liberdade e, numa esperança ativa, vive e age em função de seu vislumbre, da visão da liberdade pela qual se vê acometido. A visagem da liberdade faz-nos viver no horizonte da utopia. E isto animou grandes revolucionários e estadistas brasileiros. Acometido pelo ímpeto de liberdade, o indivíduo liberta-se para viver e agir segundo a esperança da liberdade que vislumbra em seu íntimo.