Chegamos ontem
de Minas Gerais: minha esposa, meus dois filhos e eu. Quando parti em viagem,
nem me dei conta que o tema da minha palestra sobre a angústia, como prenúncio
da liberdade, teria tanto a ver com a terra dos Inconfidentes. Chegando a Belo
Horizonte, não pensei em nada disso; mas quando fui para a Rodoviária, a fim de
tomar o ônibus para São João Del Rey, onde eu haveria de participar do encontro
em que daria a palestra, logo me chamaram à atenção as camisas à venda nas
lojas, com as cores, o símbolo e o lema da bandeira de Minas: o Triângulo
Vermelho sobre Fundo Branco e o Enigmático Lema em Preto: LIBERTAS QUAE SERA TAMEN. Confesso, que na ocasião, nem me dei
conta, que estava justamente indo para a terra, onde viviam os remanescentes de
um povo, que viu nascer o Mártir dos Inconfidentes, e que seria solo-pátrio de
um dos maiores estadistas que a nação brasileira conheceu. Indo a Tiradentes,
veio-me à tona a História, sobre a qual eu, porém, jamais tive ocasião de
aprofundar, tendo guardadas apenas as ínfimas informações que me lembrava de
meus tempos de escola. Em Tiradentes, diante da estátua do Alferes Joaquim José
da Silva Xavier, defronte ao lar onde o mesmo vivera dos nove aos dezessete
anos, tal como me informara um dos trabalhadores, que labutavam na reforma da
antiga casa, eu pude finalmente perceber melhor em que chão estava pisando. E
quando, no retorno para São João Del Rey, eu visitei o Memorial Presidente
Tancredo Neves, senti no coração e nos olhos as torrentes da emoção que, como
um córrego, jorra e escoa na minha “alma” de brasileiro.
Thais e eu nos
comovemos profundamente, ao mesmo tempo em que íamos aprendendo muito com os
vestígios dos fatos recolhidos e apresentados pelo Memorial, enquanto Felipe
distraía-se com as imagens projetadas e Marília corria e pulava pelas salas. Eu recordava-me muito de meu pai, que foi pemedebista
fervoroso na época da Ditadura e ansiou profundamente, como muitos brasileiros,
por ver solapado aquele regime totalitário e florescer um regime que
correspondesse aos anseios de liberdade de toda uma nação. E ao chegar à sala
em que se faz memória da morte de Tancredo, antes que pudesse assumir a
Presidência da República, fato que chocou o Brasil inteiro, eu não parava de me
lembrar do instante em que junto com minha família, lá em Patos, eu, ainda
garoto, compartilhava desse choro nacional, junto à minha avó, meu avô, meu pai
e minha mãe. Ler a última carta de Tancredo a Sarney fez-me entender que
naquele homem havia muita sabedoria e, seguramente, podia confiar que em sua
mente e coração subsistiam a inteligência, honestidade e sinceridade de um dos
grandes estadistas que o Brasil já possuiu, e que valia à pena não só recuperar
e compreender sua história, mas também ler algo de seus escritos ou discursos.
Por sorte que, como eu esperava, no Memorial foi também possível conseguir uma
coletânea de seus principais discursos. No Hotel, ao ler alguns desses
discursos, fiquei estupefato, porque Tancredo não parecia ser somente um homem
de fato inteligente, além de todas as suas virtudes políticas, mas pareceu-me
de fato alguém, cujo ideal emergia do mesmo anseio de liberdade que brotou
naquela terra desde os inconfidentes, e se fez visível em muitos momentos e no
coração de muitos homens e mulheres na história do Brasil, ainda que,
certamente, isso não pudesse acontecer sem ambivalências.
O que levou os
revolucionários e estadistas brasileiros a estar vivendo na Utopia, no bom lugar em lugar
nenhum, isto é, a se colocarem no horizonte da utopia ativa? A esta pergunta
responderam bem os Inconfidentes, ao repetirem a resposta de Tityrus a
Meliboeus nas Bucolica de Virgílio, quando Melibeus pergunta a Tityro o que o teria levado a viver em Roma, ao que Melibeus responde:
“Libertas: quae, sera, tamen
respexit inertem;
Candidior postquam tondenti barba
cadebat;
Respexit tamen, et longo post
tempore venit... ”
(Virgílio, Bucolica, Ecloga I, 27-30)
O que pode
levar alguém a estar vivendo no bom lugar em lugar nenhum?
“A Liberdade: que, tarde, no
entanto, disse respeito ao inerte;
Quando, depois de cortada, a
barba caía mais branca;
Disse respeito, no entanto, e
após longo tempo veio... ”