sexta-feira, 19 de abril de 2013

"Microetnias" Indígenas e o Destino da Nação

Observações à leitura de O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro

Neste dia 19 de abril, dia que o país escolheu para homenagear os povos indígenas, considerei importante refletir sobre algumas passagens de uma grande obra de Darcy Ribeiro, intitulada O Povo Brasileiro, com vistas a, nesse dia, dedicado aos povos indígenas, levantar alguns questionamentos críticos a respeito do que ali está dito sobre os povos indígenas, e verificar que repercussão a presença e a luta dos povos indígenas hoje no Brasil têm para as nossas atitudes nacionais, sejam estas consideradas de um ponto de vista ético ou de um ponto de vista político.

Ao considerar o fato de que o Brasil acabou por não se constituir, segundo ele, em uma sociedade multiétnica, id est, com etnias distintas que vivem isoladamente, com exceção de algumas etnias tribais, Darcy Ribeiro verifica que "os brasileiros se sabem e se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia" (RIBEIRO, 2006, p. 19). Convém, porém, que reflitamos sobre essa afirmação e a pensemos criticamente, refletindo sobre seus limites.

Primeiro, é importante considerar que, fundar a teoria da história brasileira, tal como pretende Darcy Ribeiro, no conceito de "transfiguração étnica", sendo este utilizado para apreender "o processo pelo qual os povos surgem, se transformam ou morrem" (RIBEIRO, 2006, p. 16), não me parece suficiente. Surgimos da chegança ameaçadora, devastadora e mortífera da ação genocida ou mesmo etnocida  da civilização européia, coisa que o próprio Darcy Ribeiro reconhece em várias de suas páginas. Porém, podemos verificar que, nesse processo, não houve propriamente uma transfiguração, mas uma reconfiguração do território e mesmo uma desfiguração étnica, sob certos aspectos. A falta de respeito na chegança, falta de respeito, dignidade e lucidez, e a gravidade da violência cometida, não permitiram efetivamente a sobrevivência étnica e mesmo multiétnica, até certo ponto. Os atos e a própria atitude planificadora e violenta da ação, nos processos civilizatórios europeus, trazem consigo já como pressuposto e mesmo como princípio regulador a dissolução étnica, no trabalho por sua dilaceração e por sua desfiguração bioecológica e cultural. Isso aconteceu tanto no encontro com os nativos Tupinambás ou Tarairius como na espoliação, expatriamento  e escravização de Bantus, Malês ou Sudaneses. Por exemplo, Joaquim Nabuco exprime como a escravidão "viciou" os afrodescendentes e mesmo os portugueses, desfigurando-os etnicamente, na medida em que "promoveu a degradação de um povo pelo servilismo brutal a que foi submetido e a degradação de outro por sua imperiosidade brutal" (cf. NABUCO, ..., p. 123). A degradação desta última, isto é, dos portugueses e outros que para cá vieram impulsionados pelo espírito colonizador, consiste fundamentalmente na bestificação facínora, genocida, devastadora e escravista, própria de um povo amoral, explorador e violento.

A violência cometida pelos processos civilizatórios europeus não permitiu, até certo ponto, de fato, a sobrevivência étnica; muito pelo contrário: a vida dos povos que os europeus encontraram foi dilacerada em vista dos objetivos da expansão civilizatória e da exploração das riquezas dos territórios ocupados, (recursos naturais tomados já como fundos de reserva para a produção manufatureira e o mercado comercial de larga escala, em uma de suas primeiras fases globais). O que nos restam são despojos, vestígios e signos de resistência nos povos que até hoje se mantêm como, nas palavras de Darcy Ribeiro, "microetnias que sobreviveram como ilhas cercadas", pelos cidadãos exploradores do Estado Brasileiro, ou naqueles que, "vivendo para além das fronteiras da civilização, conservam sua identidade étnica" (RIBEIRO, 2006, p. 18). Não tem, porém, o Estado Brasileiro e seus cidadãos, a tarefa de, face a essas minorias, repensar-se em seu processo civilizatório? Estou convencido, de que já não se trata mais só de "proteger enquanto pode", e esperar o dia de assinar o atestado de óbito dessas nações! Não podemos ficar tão indiferentes ao destino dos povos indígenas, a ponto de pensarmos, como Darcy Ribeiro, que "são tão pequenas, que qualquer que seja seu destino, já não podem afetar a macroetnia em que estão contidas".

Há uma voz calada e, até certo ponto, desconhecida, que grita no interior dos restos de florestas que deixamos. Será que, de fato, ela não nos pode afetar, independentemente de qual seja o seu destino? Será que, pela nossa historicidade e o sentimento que dela emerge, não podemos tomar consciência do pensamento e significado que essa voz desconhecida exprime, no meio da floresta? Será que as lutas dos remanescentes dos antigos povos não continuam a falar em viva voz, em alto e bom tom, ainda que a ouvidos surdos, da necessidade de transformação e, aí sim, de transfiguração que temos de operar em nossas atitudes? Será que não é hora de dizer chega à planificação planetária e rengar o "progresso e a ordem", que têm sido, ao pé da letra, nossa bandeira de luta?

Face as "microetnias tribais" e àquelas que vivem "além da fronteira da civilização" e "conservam sua identidade étnica", faz-se necessária uma nova atitude dos cidadãos brasileiros que as cercam e do Estado Brasileiro que as "reúne" e "protege". Sua presença entre nós, longe de nos tornar indiferentes à sua voz e ao significado de suas existências singulares, deveria, muito antes, ser fonte de reflexão para deparar as exigências que, como um imperativo categórico, demonstra suas razões universais e suas exigências; não falo nesses termos pensando somente em Kant, mas também em Joaquim Nabuco, que, segundo ele próprio, fez da abolição uma ideia religiosa e a luta de uma vida "não por prazer, nem por vocação de apóstolo, mas por dever, obedecendo ao simples imperativo categórico da minha nacionalidade, ao fato unicamente de ser brasileiro, e como eu há tantos" (NABUCO, ..., p. 183). Eu o faço por dever, obedecendo não só à minha nacionalidade, que, objetivamente, me obriga, mas também à minha própria ancestralidade, ao fato de saber-me simplesmente ser descendente de índio, o que me impulsiona subjetivamente. Hoje, essas exigências que emergem como preceitos para nossa nação em virtude se suas "microetnias" são, por exemplo: cultivar a terra devastada com florestas frondosas; recuperar os rios; frear o "progresso desenvolvimentista", que não só abusa da terra ao se utilizar dos seus recursos, como impõe aos seres humanos um modo de vida pernicioso e pervertido; recuperar na "macroetnia" o bom senso da "microetnia"; tudo isso e tanto mais, não deveria se tornar imperativo categórico para um Estado autenticamente livre?

A história das hoje "microetnias" do brasil já há muito tempo tem demonstrado que as máximas de seus indivíduos, há muito têm se tornado preceitos de suas comunidades étnicas. Não será hora de o Estado Brasileiro dar provas de sua liberdade e soberania, e promulgar as leis que, purificadas de todo interesse, exceto o interesse da razão, transmitem o ideal desse momento ensaístico da humanidade histórica?

Não é de hoje que os preceitos das "microetnias" ecoam na história desse país e conclama a seus cidadãos e cosmopolitas, em muitos de seus recantos, e conclamam à humanidade a transformá-la em vontade geral das nações. Os processos civilizatórios revelou-se em muitos recantos da história como uma faca de dois gumes, senão como uma terrível doença contagiosa na história da humanidade. Temos que parar e recuperar o bom senso perdido, dando ouvidos aos remanescentes de nossa ancestralidade. No destino das chamadas "microetnias" está o destino de nossa nação.

O Brasil ainda não entrou de cheio na luta pela "salvação" do planeta. Esse imperativo cosmopolita tem ganhado o mundo, mas ainda não atingiu o coração das nações. Só alguns redutos lhe permanecem obedientes em função de seus costumes milenares, que não se deixaram ou não conseguiram se contaminar pelas doenças do processo civilizatório.

Mas incomoda-me ainda o fato de, ao compreender a sociedade brasileira como uma "macroetnia unitária", Darcy Ribeiro assegurar que a única exceção a essa regra "são algumas microetnias tribais que sobreviveram como ilhas, cercadas pela população brasileira. Ou que vivendo para além das fronteiras da civilização, conservam sua identidade étnica. São tão pequenas, porém, que qualquer que seja seu destino, já não podem enfrentar a macroetnia em que estão contidas" (RIBEIRO, 2006, p. 18). Como se não bastasse referir-se às etnias remanescentes como "microetnias" e dizer que seu destino não nos afeta, ainda insiste, mais adiante, que "os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo, incorporado em uma nação unificada, num Estado uniétnico" (RIBEIRO, 2006, p. 19-20); um povo de quem ele disse ser um povo novo que, segundo dois aspectos, dentre quatro que ele apresenta, é "novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos" e, num segundo aspecto, "novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam" (RIBEIRO, 2006, p. 17). E, consciente disso, torna ainda a assegurar "que a única exceção são as múltiplas microetnias tribais, tão imponderáveis que sua existência não afeta o destino nacional" (RIBEIRO, p. 20).

Por que tal discurso me incomoda? Vejo que esta última sentença até pode fazer algum sentido do ponto de vista sócio-econômico, mas não creio que seja justa de um ponto de vista ético-político. Não convém dar este atestado de óbito sem alertar sem alertar para a implicação ético-política que ele possui. Como bem dizia Karl Jaspers: "desde os Sete Sábios do tempo da Polis grega primitiva", a quem nossa civilização se sente de certo modo filiada, "vale para cada cidadão em um Estado livre a seguinte tese: a injustiça, que for feita a um outro cidadão, é feita a mim. Um Estado de Direito livre ou um regime de governo republicano (no sentido de Kant) só está lá onde esta tese se efetiva" (JASPERS, ..., p. 43). Ora, nesta perspectiva, podemos ser, ainda, de fato, considerados um Estado de Direito livre ou uma forma de governo republicano, se o destino das chamadas "microetnias" não nos afetar nem nos importar? O que é esse "destino nacional", que não reconhece e não se deixa perturbar pelo destino trágico dos povos que habitam seu território? Somente o resultado da violência brutal da civilização de bárbaros, ou a liberdade conquistada pelo bom senso e pela universal capacidade de raciocinar?

Certamente, diante do destino das "microetnias" existentes no território brasileiro, poderia haver quem dissesse que o Estado foi criado em vista da proteção dos direitos civis dos povos que o compõem, sendo estes, pois, os limites de sua responsabilidade. A própria sentença de Jaspers acima citada fala da responsabilidade pelos ditos cidadãos. Como responsabilizar o Estado pelo destino daquelas etnias que vivem dentro dentro de seu território mas não o compõem efetivamente? É preciso, porém, pensar, que, em um Estado, há povos - e sempre houve - que não fazem parte desse Estado. Dentro dos limites territoriais de um Estado, há sempre, por toda parte do mundo, povos que ou são herdeiros das terras que antes não eram tidas como pertencentes a tal Estado, ou povos refugiados (ou escravizados, expatriados ou imigrantes ilegais). Como o Brasil e outros países têm procurado lidar com essa questão?

Filosoficamente, há duas questões fundamentais a serem colocadas aqui: primeiro é preciso assumir que a questão étnica nunca se tornou suficientemente um problema filosófico para o pensamento europeu ou eurocêntrico, tornando-se apenas um objeto para a ciência empírica; o sentimento de pertença étnica na constituição da pessoa humana é ainda um enigma importante a ser pensado. Por outro lado, em segundo lugar, em vista de que, em última instância se constitui o Estado? Será que é somente, de fato, uma grade protetora de seus cidadãos? Ou tem ele algum compromisso com a ideia de humanidade que, em última instância, tem em vista?

Por fim, gostaria apenas de discutir se, diante dos fatos, convém continuarmos aplicando aos povos indígenas do Brasil esse conceito de "microetnias tribais", frente a uma chamada "macroetnia nacional". São muitas etnias no Brasil, algumas desconhecidas, muitas conhecidas; algumas com suas terras demarcadas e garantidas, outras que nem sequer tiveram suas terras demarcadas. Por exemplo:

No Parque Nacional do Monte Pascoal, próximo aos municípios de Barra Velha, e entre Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália, vivem os Pataxós, que, de acordo com dados da FUNAI, em 1976 constituíam uma população de 684 habitantes na Aldeia de Barra Velha, e hoje contam nessa mesma aldeia com cerca de 3.118 habitantes, ao passo que em Coroa Vermelha, cuja população também tem crescido, encontram-se hoje cerca de 2.600 habitantes. A FUNAI informa que "embora concentrada majoritariamente na Aldeia de Barra Velha" a população Pataxó conta ainda com mais "dois núcleos de povoamento": "O mais antigo deles, o de Embiriba, está localizado cerca de 20 km ao Norte de Barra Velha, também junto à costa, próximo à foz do Rio dos Frades, enquanto que o núcleo da Coroa Vermelha, a formação mais recente e estimulada pela atividade artesanal e pelo fluxo turístico, localiza-se às margens da rodovia que liga Porto Seguro a Santa Cruz de Cabrália, próximo a estas duas cidades" (FUNAI, http://www.funai.gov.br/portal/, 29/03/2013). Dos 22.500 hectares de terra que constituem o Parque Nacional do Monte Pascoal, apenas 8.750 hectares estão destinados aos Pataxó.

Os autodenominados A'UWE, conhecidos mais comumente como Xavante, falantes da língua Akwén, contam com uma população constituída de 11.677 pessoas, distribuídas em 11 Terras indígenas no Mato Grosso do Sul: Marãiwatsede, que no dia 05 de abril deste ano celebrou sua desintrusão (cf. FUNAI, http://www.funai.gov.br/portal/ notícia de 09 de abril de 2013); Marechal Rondon; Sangradouro/Volta Grande (juntamente com os Bororó); São Marcos, Areões; Areões I; Areões II; Parabubure; Pimentel Barbosa; Chão Preto e Ubawawê.

Na Região do Baixo São Francisco, Município de Porto Real do Colégio - AL, vivem os chamados Kariri-Xocó, uma população constituída de cerca de 2.189 pessoas. A aldeia e o posto indígena da FUNAI estão cerca de 1 km da praça central da cidade. Os Kariri-Xocó são assim denominados em função do que é considerada a mais recente fusão entre os Kariri de Porto Real do Colégio e parte dos Xocó da ilha fluvial sergipana de São Pedro, que ocorreu cerca de 100 anos atrás. Conta-se que quando as aldeias dos Xocó foram invadidas pela polícia fundiária do Império, eles tiveram suas terras aforadas e invadidas e, tendo ido buscar refúgio junto aos Kariri da outra margem do rio, essas duas etnias foram reunidas em um único povo, tendo adotado o nome de Kariri-Xocó.

No Amazonas e Roraima, 13.818 Yanomami reside no Parque Nacional de mesmo nome, (sendo que cerca de 9.000 vivem em Roraima e 2.000 no Amazonas), sem contar ainda mais 12.000 pessoas do povo Yanomami, vivendo na Venezuela. A área territorial onde vive os Yanomami no Brasil constitui cerca de 9.419.108 hectares de distribuição contínua. Trata-se de uma região situada em sua maior parte no maciço das Guiana, grande faixa de montanhas com florestas equatoriais.

Os autodenominados PANKAIAUCÁ, habitantes da Terra Indígena (TI) Cristo Rei, conhecidos como Pacararu, e que também constituem outra comunidade na TI Entre Serras, ambas situadas na Região do Brejo dos Padres - PE, entre a Cachoeira de Itaparica e a Cachoeira de Paulo Afonso e o Município de Tacaratu e Petrolândia, contam com uma população de 5.217 habitantes. A área territorial em que vivem, já homologada pela União, é de 8.100 hectares entre os municípios de Petrolândia e Tacaratu, de um total de 14.294 hectares de área identificada como pertencente aos Pankararu (cf. www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/pankararu.htm. Acesso em: 29/03/2013). Há que se levar em conta, além disso, que cerca de 900 migrantes Pankararu, os quais lutam lá por uma terra onde possam restabelecer sua comunidade e sua cultura.

Em Águas Belas - PE, numa área territorial ainda não homologada de 11.505 hectares, vivem 3.229 Fulni-ô. Os Fulni-ô. "Os Fulni-ô atualmente ocupam uma área dividida em 427 lotes individuais, que totalizam 11.505 ha. Este perímetro registrado pela FUNAI, está inserido nos limites de uma proposta de terra (ainda não formalizada) a partir de estudos de identificação realizada por GT no ano de 2003. Recentemente foi constituído GT (Portaria 492/PRES/04 de 16.04.2004) para dar prosseguimento aos estudos iniciados em 2003, com a conclusão do levantamento Fundiário, que havia sido interrompido pela FUNAI no final do ano passado." (www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/fulnio.htm. Acesso em: 29/03/2013).

Enfim, como acentua Lúcia Gaspar "de acordo com o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) existem no Brasil 896,9 mil índios, integrantes de 305 etnias, das quais a maior é a Tikuna, com 46.045, ou seja, 6,8% da população indígena brasileira" (GASPAR, 2011).

Por tudo isso, importa repensar o conceito e o próprio dualismo entre "micro-" e "macroetnia". As etnias não são tão pequenas assim e tenderão a crescer ainda mais se tiverem garantidas suas terras e puderem constituir sua vida em meio aos processos da economia global contemporânea.


REFERÊNCIAS

GASPAR, Lúcia. Línguas Indígenas no Brasil. Pesquisa Escolar Oline, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. 19/04/2011. Disponível em <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 19/04/2013.

JASPERS, Karl.

NABUCO. Joaquim.

NABUCO. Joaquim.

RIBEIRO. Darcy. O Povo Brasileiro. 2006.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Sobre os Povos Nativos da Região da Bacia do Piranhas-Açu: Os Tarairiu

Denominados sob o atributo genérico atribuído pelos povos Tupi como Tapuias, considerados inimigos dos Tupi, os povos que viveram na região às margens dos afluentes do Rio Piranhas-Açu eram da família linguística de matiz (STEWARD, 1946, p. 381). De acordo com Fátima Martins Lopes, o povo que habitava a região sertaneja do Seridó, às margens dos rios Jaguaribe, Apodi, Piranhas, Açu, Sabugi e Seridó, era formado pelos Tarairiú (LOPES, 2003, p. 137, apud Juciene Ricarte APOLINÁRIO, 2009, p. 3). “É praticamente impossível construir uma reconstituição etnográfica, precisa, das várias etnias Tarairiú citadas nas fontes históricas e bibliográficas, no entanto, até o momento, podem ser classificados como: Janduí, Ariú, Pega, Kanidé, Genipapo, Paiacu, Panati, Korema, Xukuru, Kavalcante e outros que por não aparecerem identificados na documentação colonial são denominados genericamente de Tapuia (LOPES, 2003:138)”, assegura Juciene Ricarte Apolinário (APOLINÁRIO, 2009, p. 3).
                Os Tarairiú eram nômades e o sistema de parentesco se caracterizava por constituir uma descendência matrilinear (cf. APOLINÁRIO, op. Cit., p. 4.) Segundo Juciene R. Apolinário,  “as terras indígenas passaram a ser, continuamente, açambarcadas e as relações entre os povos Tapuia e colonizadores tornaram-se ainda mais conflituosas, desencadeando práticas contínuas de resistências indígenas que ficou conhecida como “Guerra dos Bárbaros”. Conflito que se deu por quase cem anos entre os séculos XVII até a segunda metade do século XVIII, alcançando desde os sertões da Bahia até o Maranhão (PIRES, 2002:33)” (APOLINÁRIO, 2009, p. 5). Ainda de acordo com Juciene, “a principal orientação política perceptível nas variadas fontes manuscritas entre os séculos XVII e XVIII, levada a termo pelos agentes coloniais, era o extermínio dos Tapuia vistos como obstáculos a concretização do projeto colonial de El Rei e deseus vassalos, estes últimos, os empreendedores das fronteiras criatórias do sertão (PUNTONI,2002:17)” (ibidem). “Estes Tapuyos a que chamam Jandoins...” (carta de José Lopes Ulhoa ao rei de Portugal) foram os que desenvolveram alianças com os holandeses e se utilizaram de armas e cavalos além de estratégias de ataque conseguidas e aprendidas com os holandeses segundo Juciene (cf. ibidem, p. 6). “Uma das estratégias de lidar com a guerra contra os inimigos era não se deixar aprisionar através de táticas de fugas em que se utilizava, sobremaneira, a velocidade com bastante destreza em espaços naturais inóspitos como regiões de Caatinga. Diante de todas as estratégias de luta contra os inimigos portugueses, os Jaduí foram derrotados na ribeira do Seridó, pela bandeira chefiada por Domingos Jorge Velho e finalmente tiveram o seu principal denominado de Canidé, capturado e preso. Reconhecido pelos próprios representantes da coroa portuguesa como “rei dos Janduí”, a principal etnia em guerra contra os luso-brasileiros, viviam entre as capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, totalizando aproximadamente, treze mil indígenas e destes cinco mil homens guerreiros de arco em punho. (PUNTONI, 2002:155).” (ibidem, p. 7).
Outro grupo de Tapuias eram os Ariús. Além deles os Panatís, que habitaram às margens do Rio Piranhas.
LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 1999.
PIRES, Maria Idalina da Cruz. A guerra dos Bárbaros. Resistência e conflitos no nordeste colonial. Recife: UFPE, 2002.
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Os tapuias do Nordeste e a monografia de Elias Herckman. Revista do Instituto do Ceará, v. 48, 1934, p. 3-120.
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros. Povos e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec/USP/ FAPESP, 2002.