A 150 anos atrás, no dia 24 de julho de 1862, a pequena Vila de São Benedito, às margens do Rio Arabê, junto à Serra de Ibiapaba, no Ceará, via nascer a criança que se tornaria um dos grandes Mestres da Filosofia no Brasil. Seu nome: Raymundo de Farias Brito. Filho primogênito do escrivão Marcolino José de Brito e de Dona Eugênia Alves Ferreira, e formado em Direito na Faculdade de Direito do Recife, Farias Brito é autor de uma obra filosófica que se mostra como uma das maiores sínteses críticas do pensamento metafísico moderno, na perspectiva de refundar a metafísica moderna em novas bases. Numa época em que, no Brasil, a Filosofia não havia ainda encontrado o seu lugar ao Sol, o pensamento de Farias Brito emerge com um impulso promissor, que, apesar de ter ficado esquecido como quase tudo o que há de genuíno e brasileiro no Brasil, resguarda um valor profundo para todo aquele que procura dialogar com os autênticos pensadores nas veredas da filosofia.
Ainda que no Brasil não houvesse muito estímulo ao estudo da filosofia, como ele mesmo afirma, "considerando-se mesmo entre nós inútil os estudo da filosofia", Farias Brito se esforça por edificar uma obra de caráter metafísico que se propunha à investigação da seguinte pergunta: "Qual é o fim a que tende a evolução universal, para onde vai tudo isto que nos cerca, em que consiste a finalidade do mundo?" Foi no intuito de responder a esta pergunta que ele inicia sua empreitada filosófica em 1895 através da publicação do primeiro volume da obra A Finalidade do Mundo, no qual pretendeu apresentar A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito. À época, o ensino de Filosofia havia sido oficialmente suprimido pelo governo pós-republicano, que, guiado sob o espírito positivista comteano e sob a direção do Marechal Deodoro da Fonseca, já não via na filosofia o caminho para a reconstrução, mas apenas nas produtivas e eficazes ciências positivas. Como afirma Farias brito: "depois de pouco tempo havia sido suprimida como inútil, do Liceu ou estabelecimento correspondente, em todos os estados, a cadeira de filosofia". Testificou, assim, que "a República começou no Brasil declarando guerra de morte à filosofia". E assegura: "Verdade é que o que então se ensinava como filosofia era uma cousa indigesta e absolutamente intragável, sendo de rigorosa necessidade uma reforma na organização do ensino, não somente da filosofia, mas de todas as outras matérias que constituem o objeto do curso secundário e superior no país." Compreendendo esta verdade, afirma, porém o mestre e autêntico educador que "a reforma a fazer-se, devia ser no sentido de melhorar, não de suprimir." Mas atesta que "Não sucedeu assim: fez-se uma reforma que chamarei desesperada; organizou-se um programa palavroso e estéril, feito de todo nos moldes positivistas, absurdo em teoria, impraticável de fato, espécie de encadeamento de fórmulas aparatosas destinadas a enganar pela aparência exterior, de modo que a julgar por aquilo a nação, nada é mais triste do que a ideia que se deve fazer do estado da nossa civilização. E quanto à filosofia, identificada à retórica, foi suprimida como inútil." E como se não bastasse, escreverá Farias Brito ainda em 1912, começando por dizer isto mesmo que já afirmara em 1895: "Em nosso país, verificou-se: a filosofia foi suprimida como inútil do ensino oficial. E agora mesmo, na nova reforma que acaba de ser decretada e imediatamente posta em execução, a reação foi ainda mais radical, tendo sido suprimidas a cadeira de Lógica, no Ginásio Pedro II, e a cadeira de Filosofia do Direito nas escolas de direito, o que prova que o positivismo ainda não perdeu de todo o seu império nas altas esferas governamentais em nossa Pátria".
Foi nessas condições que começara a filosofar e erigiu um grande edifício filosófico, digno de um povo que merece pensar a si, a sua história e a história da humanidade. Não se poderá fazer isso sem a Filosofia, e isto farias Brito pôde mostrar muito bem. Curioso que, quando todas as manobras governamentais e e políticas educacionais conspiravam contra a filosofia, ela tenha se feito manter através da pena e pensamento deste filósofo ilustre. Comemorar e, através disso, rememorar o pensamento de Farias Brito nesses 150 anos de seu nascimento, é uma boa forma de mantê-la viva em nossas almas brasileiras desmemoriadas.
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